A GRANDE REFORMA EDUCACIONAL
Contrariando
os saudosistas, afirmo que a educação no Brasil nunca foi grande coisa,
mediocridade percebida apenas por espíritos mais alertas. A diferença é que
hoje há mais impaciência com as suas mazelas. Diante dessas críticas, passadas
e presentes, nossas doutas autoridades são pressionadas a tomar providências
enérgicas. Mas e os custos políticos? E os calos em que se há de pisar? E a
truculência dos que não querem perder suas sinecuras e confortos? E as greves?
Com espantosa criatividade, nossos líderes encontraram uma saída para esse
impasse: criou-se um tipo de reforma que, além de indolor, tem visibilidade na
mídia escrita e falada. A ideia é simples: em vez da truculência de remexer
pessoas e instituições, reformam-se os nomes e títulos de tudo o que acontece
na área. Brilhante!Sem trauma!
Antes tínhamos “instrução pública". Já faz
tempo que mudou. Agora é "educação pública". Tínhamos primário,
secundário e terciário (ou universitário). No secundário, havia o ginasial e o
colegial. E esse último podia ser clássico ou científico. Estava ruim. Foi
consertado para o 1º grau, 2° grau e 3º grau. Não melhorou o suficiente. Para
sanar as mazelas restantes, foi criada a educação básica, dividida em ensino
fundamental e médio. Em uma conversa entre pessoas de três gerações, os mais
velhos rememoram suas experiências no primário, os menos velhos sobre o que
faziam no 1º grau e a juventude reclama do fundamental. É o desejado diálogo
intercultural. Estudei meu primário no Colégio Rodrigues Alves (RJ). Pouco
depois, foi preciso salvar essa instituição, mudando seu nome para Escola
Rodrigues Alves. Comecei no 1º ano, minha filha na 1ª série. E, se ela já
tivesse um filho, ele iria cursar o 1º ano. Lá na década de 70, foi criado o
curso de engenharia de operações. Mas parece que o nome não trazia bons
augúrios. Daí a criação dos tecnólogos. Para expandirem a sua relevante
contribuição, os luminares da educação transformaram recentemente esses
programas em cursos superiores de tecnologia. Vejam que progresso! Havia uma
prova chamada de Artigo 99. Ao que parece, não era um nome à altura dos seus
nobres objetivos. Daí que virou supletivo. Mas imaginem se os novos e insignes
educadores vão abrir mão de deixar sua marca indelével em uma iniciativa de
tanta relevância social. Daí a sua decisiva contribuição, pois agora se chama
EJA.
Quando fui para o colégio (que virou escola), tinha
disciplinas de português. Mas a geração seguinte foi privilegiada, passando a
estudar a língua pátria, obviamente, um enorme progresso. Pelo que sei, esse
assunto voltou a se chamar português. Um retrocesso? Bem cedo, tinha de fazer
composições, sobre diferentes assuntos. Mas nossas sábias autoridades acharam
por bem corrigir um erro histórico. Para tal, aquela página de garranchos virou
redação. Mas a reforma ainda era imperfeita; para completá-la foi necessária
uma nova correção de rumo. Agora é produção de textos. No passado, tentávamos
alfabetizar, nem sempre com sucesso. Agora foi salva a situação, pois o
objetivo é o letramento. Viram que evolução? Quando estudei análise sintática,
labutando nos Lusíadas, aprendi que havia sujeito, verbo, predicado e objeto.
Felizmente para a nação, as novas gerações foram poupadas do aprendizado
autoritário que me foi imposto. Agora, essas classificações gramaticais não
fazem sentido algum, nem para professores nem para alunos. Importa o contexto,
a inferência, a leitura de mundo... Antes, havia alunos valentões, agora
praticam o bullying. Vejam como crescemos. Havia também alunos bagunceiros,
agora temos vítimas de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH). Antes iam para as palmatórias, varas de marmelo e outros apetrechos do
gênero. Agora, vão para a Ritalina (medicamento para hiperativos). É o
progresso.
É injusto não sentir um profundo agradecimento
para com as nossas autoridades educacionais. A elas devemos todas essas
incontáveis reformas, realizadas sem traumas nem conflitos. Mas será que não
está na hora de se preocuparem com os reais problemas da nossa educação?
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