quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Sobre registro escrito

REGISTRO COMO UM RECURSO PARA O EDUCADOR NA QUALIFICAÇÃO DE SUA PRÁTICA DOCENTE O ser humano está em contínua busca de novas ideias e novos conceitos que servem como impulso para suas ações. Assim a criança deve ser analisada e estudada na sua totalidade, pois é um ser em pleno desenvolvimento e as interações sociais agem na formação de suas funções psicológicas superiores. Desta maneira, o registro é um recurso eficaz para auxiliar o educador a conhecer melhor os educandos, percebendo melhor os seus progressos, possibilitando uma maior segurança no ato de avaliar. Além disso, o mesmo possibilita ao educador rever sua prática pedagógica no sentido de adequá-la às necessidades do educando. Analisando o significado do registro na rotina do educador, percebemos que ele seria uma espécie de diário. Segundo Magalhães e Marincek (2001,p.93):...Constitui-se em um lugar de reflexões sistemáticas, constantes; um espaço onde o professor conversa consigo mesmo, anota leituras, revê encaminhamentos, avalia atividades realizadas, documenta o percurso de sua classe. Um documento com a história do grupo e os avanços do próprio professor. Este diário é muito mais amplo do que os diários de jovens e adolescentes, os quais registram sentimentos e fatos. O registro na rotina do educador servirá de norte para sua prática educativa possibilitando refletir sobre o processo ensino-aprendizagem, construindo um planejamento apropriado às possibilidades dos alunos. Uma das importantes funções do registro é a possibilidade. O registro faz com que o educador seja mais humano, não cometa erros ao avaliar e também o coloca de frente com as incertezas, dúvidas, limites, erros contribuindo para seu crescimento pessoal. Segundo Warschauer (1993): A vivência do registro, sob esta perspectiva, nos remete para o campo da humildade, através do aprendizado de conviver com a dúvida, com as incertezas(...) (p.63) Frente a essas incertezas o registro também possibilita a construção de uma prática inovadora, buscando coerência entre o pensar e o agir. Nas palavras de Warschauer, 1 : ...acredito que a escrita possibilite o acesso a camadas mais profundas de nós mesmos que, sem esse registro, poderiam não chegar ao nosso conhecimento. Porém, possibilita também o conhecimento de aspectos muitas vezes indesejados e sombrios. Mais, uma postura de abertura e determinação para a ampliação do (auto) conhecimento pode iluminar o caminho para a conquista de uma coerência interna, integradora, e contribuir para a aproximação entre o idealizar e o concretizar, entre o pensar e o agir. (p.65). Enquanto seres humanos, estamos sujeitos a cometer erros, os quais nos servirão de aprendizado, se buscarmos refletir e nos transformarmos a partir dos mesmos. O registro escrito é uma forma de compartilhar com o papel, nossas possibilidades e dificuldades. Segundo Warsxhauer, (1993, p.65):A prática do registro é importante por nos permitir construir a “memória compreensiva”, aquela memória que não é só simples recordação, lembranças vãs, mas é base para a reflexão do educador, para análise do cotidiano educativo e do trabalho desenvolvido com o grupo. O ato de escrever o vivido desencadeia um processo reflexivo no qual a vivência restrita e singular torna-se pensamento sistematizado, apropriação do conhecimento. É através da escrita, portanto, que conseguimos perceber nossos erros, avanços, contemplar o que vivemos diariamente na prática, não só para ajudar-nos a lembrar do que aconteceu, mas também compreender o acontecido analisá-lo para poder aprender com o vivido. Segundo Weffort, (1995, p.10):1 Warsxhauer, Cecília. A roda e o registro. Rio de Janeiro, 1993. A reflexão registrada tece a memória, a história do sujeito e de seu grupo. Sem a sistematização deste registro refletido não há apropriação do pensamento do sujeito-autor (...) Sujeito alienado do próprio pensamento torna-se um mero copiador da teoria do outro.Escrever diariamente não é uma tarefa simples e fácil, porém, se pensarmos e levarmos em consideração que todo início de qualquer mudança de postura e atitude é difícil até nos adaptarmos a ela, em relação ao registro não será diferente. De acordo com Kramer (1993, p.35), pode ser difícil no começo, mas, se entendemos que o registro é um instrumento de trabalho do educador, a dificuldade não pode ser argumento para não fazê-lo, pois: ... é preciso que os professores se tornem narradores, autores de sua práticas, leitores e escritores de suas histórias, para que possam ajudar as crianças a também se tornarem leitores e escritores reais, retirando prazer do falado e do lido, gostando de escrever...Para iniciarmos tal procedimento, faz-se necessário um reaprendizado do exercício de ler e escrever, o qual necessitamos ter uma disposição de olhar com “novos olhos” nossa prática cotidiana e o mundo a nossa volta.Para Madalena Freire, é necessário “Reaprender a olhar, romper com visões cegas, esvaziadas de significados, onde a busca de interpretar, dar significados ao que vemos, lemos da realidade é o principal desafio”. (1995, p.56).Como instrumento de trabalho, o registro vem associado ao planejamento e à avaliação. Assim todo processo desde o planejamento, registro e avaliação compõem o fazer educativo do profissional, que quer construir sua competência e qualidade no trabalho que realiza. ... o registro ajuda a guardar na memória fatos, acontecimentos ou reflexões, mas também possibilita a consulta quando nos esquecemos. Este “ter presente”o já acontecido é de especial importância na transformação do agir, pois oferece o conhecimento de situações arquivadas na memória, capacitando o sujeito a uma resposta mais profunda, mais integradora e mais amadurecida, porque menos ingênua e mais experiente, de quem já aprendeu com a experiência. Refletir sobre o passado (e sobre o presente) é avaliar as próprias ações, o que auxilia na construção do novo. E o novo é a indicação do futuro. Ë o planejamento. (WARSCHAUER, 1995, p. 62-63).Podemos nos questionar: Mas como registrar? Não existe uma regra, ou receita. O registro é marca individual de cada educador, pois não é algo burocrático que deve seguir uma regra, mais algo especial onde estarão registrados acontecimentos, fatos discussões da vivência diária em sala de aula e do trabalho do educador. FREIRE (1995, p.56), ao refletir sobre o ato de escrever, afirma que: Escrever com sangue, dor e prazer é falar do que corre em nossas veias. Falar de amor, ódio, sonho. “Escrever a sua palavra, deixar marcado o vivido e o pensamento, é ato criador, que requer certa dose de ousadia, coragem e disposição em ativar (para desvelar ou compreender) aqueles sentimentos de amor, ódio, dor, prazer, presentes na nossa relação de seres humanos. E o humano da criação passa pelo desejo, pelo sonho de mudança, de transformação, de conquista do bom, do belo, do prazer.O ato de refletir, parar e analisar a prática pedagógica é um ato libertador, porque favorece ao educador instrumentos no seu pensar. É através de reflexões que conseguimos realizar as constatações, descobertas, reparos, aprofundamentos, fazendo-nos mudar e transformar algo em nós, nos outros e na realidade vivida. Com o exercício disciplinado da ação reflexiva, o educador alcança uma ação generalizadora, teorizante, emergindo a necessidade de fundamentação teórica, uma vez que não existe uma prática sem uma fundamentação teórica, bem como não existe teoria sem que tenha nascido de uma prática. Segundo Vygotsky, “o que diferencia o homem do animal é o exercício do registro da memória humana”. (1999, p.76).No ato pedagógico o educador também tem seu espaço de registro, podendo formalizar, comunicar o que pensa, construir o que ainda não conhece e aprofundando o que necessita aprender, enfim, deixando suas marcas, construindo sua história.Através do registro escrito, somos obrigados a realizar exercícios de ações, ou seja, constatar aquilo que não se realizou e deixar como está, não terá significado algum e não contribuirá para a formação de cidadãos atuantes e críticos.Concluímos que o registrar os fatos, acontecimentos e situações que envolvem o cotidiano da sala de aula torna-se um instrumento importante nas mãos do professor comprometido com o constante aprimoramento de sua prática. Neste sentido o registro permite levantar subsídios para o planejamento em geral e para os planos de aula, além de oferecer dados para o professor repensar sua atuação junto às crianças. Como podemos trabalhar o registro? Algumas possibilidades nos servem de embasamento para iniciar o processo. A medida em que vamos aperfeiçoando e aprimorando nossa prática, conseguimos encontrar novas alternativas de aperfeiçoar esse trabalho. Warschauer (1993, p.105):Registrar o não documentado passa a ser de grande interesse para a compreensão da complexidade da escola. Da mesma forma, uma única sala de aula também é um mundo complexo, cheio de contrastes. Penetrar no seu interior registrando sua história é também caminhar no sentido de um aprofundamento da compreensão das relações ali estabelecidas entre seus habitantes e o conhecimento. A organização de seus espaços e tempos obedece a uma certa lógica, que corresponde ao compromisso que se estabelece ali com o conhecimento. Diz Madalena Freire, que o espaço é um retrato da relação pedagógica porque registra, concretamente através de sua arrumação (dos móveis), organização dos materiais, a maneira como nossa relação é vivida.A modificação do ambiente da sala de aula favorecerá o registro. O educador deve trabalhar em círculos, grupos de dois, três, quatro. O trabalho individual algumas vezes também é necessário, para que o educador possa acompanhar individualmente os avanços e as dificuldades de seus educandos. No espaço escolar o educando deverá encontrar a motivação necessária para seu desenvolvimento integral. Diariamente, as rodas no início da aula são fundamentais, pois proporcionam a troca de informações e experiências, bem como o planejamento e o desenvolvimento do trabalho que será efetuado. Segundo Weffort (1996, p.5): Toda pedagógica está sempre engajada a uma concepção de sociedade, política. É neste sentido que nesta concepção de educação este educador faz arte, ciência e política. Faz política quando alicerça seu fazer pedagógico a favor ou contra a classe social determinada. Faz ciência quando apoiado no método de investigação científica estrutura sua ação pedagógica. Faz arte porque cotidianamente enfrentasse com o processo de criação na sua prática educativa, onde no dia a dia, lida com o imaginário e o inusitado. Neste sentido, o educador está em constante criação, buscando, estruturando, organizando o seu viver pedagógico. E nesta constante busca, o educador precisa ser leitor, escritor, pesquisador. Ele é um leitor, quando lê amplamente a realidade, a sua e a dos outros, buscando nesta leitura, interpretar, significar. Ao registrar seu cotidiano, ele é um escritor, pensando, questionando, revendo suas hipóteses.No ato de registrar o seu cotidiano, o professor tem nas mãos um importante instrumento na construção de sua consciência pedagógica e política. Através do registro diário, guardamos parte de um tempo vivido, ou seja, estamos construindo nossa história pessoal e coletiva (do grupo), momentos significativos. Também, ao escrevermos, desenvolvemos a capacidade reflexiva, que nos impulsiona ao pensamento. Dessa forma, ao registrarmos nosso cotidiano, refletimos sobre o nosso fazer, impulsionando-nos para a aprendizagem, pois o educador está em constante processo de aprendiz. Esta ação reflexiva nos remete a constatações, levando-nos a descobertas, aprofundamentos. Escrever não é tarefa fácil para a maioria dos educadores, pois não fomos trabalhados para tal, além do que exige disciplina, exercício da reflexão, possibilitando assim, estar vendo, revendo, lendo, relendo, planejando, replanejando a sua prática pedagógica. OSTETTO (2001, p.19,20), nos diz o seguinte: No espaço educacional o registro é, para o educador uma espécie de diário, que pode bem lembrar os diários de bordo ou os diários dos adolescentes, nos quais são anotados fatos vividos, sentimentos, impressões, confissões. Quanto ao diário do professor, num âmbito da prática pedagógica, vai muito além disso: constitui-se em um lugar de reflexões sistemáticas constantes, um espaço onde o professor conversa consigo mesmo, anota leituras, revê encaminhamentos, avalia atividades realizadas, documenta o percurso de sua classe. Um documento com a história do grupo dos avanços do próprio professor. O registro é uma documentação para si próprio e para o grupo dos alunos que coordena, diz respeito a sua particular vivência. Não pode ser concebido, nem utilizado, como forma de controle, de qualquer coordenador ou supervisor. Registrar o cotidiano não é brincadeira! Não é escrever para mostrar ou prestar contas a alguém. É ao contrário comprometer-se com a própria prática, comprometendo-se com a coerência de uma prática que vai refletida num processo de formação permanente. Como vimos, não existe “modelo”, ou regras para escrever sobre o seu cotidiano. Cada educador tem o seu jeito, a sua maneira de registrar suas experiências, que pode ser: narrando, contando, por tópicos, detalhando...Entendendo que tudo o que é novo gera angústia, medo, sofrimento, segue abaixo um roteiro de apoio para quem deseja lançar-se neste novo desafio, elaborado por Ostetto, (2001, p.68-69): A) DADOS QUANTITATIVOS:- Onde descreve o que foi planejado para o dia e o que foi efetivamente realizado; B) DADOS QUALITATIVOS: Onde anota o que pode observar no encaminhamento do planejamento e do dia, fazendo uma análise, experimentando, já, uma reflexão. Muitos são os aspectos que poderão ser registrados/analisados. A seguir sugerimos alguns: 1. O que aconteceu no dia de mais significativo: 1.1 Com relação ao grupo de crianças (como foi a participação; se mostraram interesse entusiasmo e em que; quais os momentos de maior concentração, etc) 1.2 Com relação às situações e atividades propostas (se foram apropriadas às crianças e ao momento; como foram apresentadas/introduzidas ao grupo de crianças; o que foi positivo; o que ficou faltando; o que poderia ser melhorado, etc) 1.3 Com relação à organização do espaço físico ocupado (onde foram realizadas as atividades; se houve mudança na disposição dos móveis; como os materiais foram aí organizados e utilizados, etc). 2. Fatos relevantes ocorridos no dia, fora do previsto: Todo tipo de situação que não estava no “plano diário” e foi encaminhada (como surgiu; participação/ reação dos alunos desdobramentos possíveis; foi proveitoso ou não e por que; poderia ter sido encaminhado de outra maneira, etc). 3. Como você sentiu no dia: Facilidade/dificuldade ao encaminhar as situações e atividades e ao coordenar o grupo de crianças; dúvidas/insegurança em algum momento, Qual? Reação/interação com as crianças – grupo e individual – foi tranqüilo? Teve conflito? Como encaminhou? Se sentiu bem? A partir deste roteiro, o educador poderá orientar e aos poucos, encontrar a sua maneira de registrar. O importante é que, após cada dia de trabalho com seu grupo, o educador realize e o exercício disciplinado da reflexão: parando, pensando, refletindo e escrevendo sobre o seu dia de trabalho. Portanto, este instrumento pedagógico será de grande utilidade, contribuindo para tornar sua prática, cada vez mais comprometida, consigo e com o outro. O registro pode ser utilizado como fonte de referência, onde o educador registra tudo o que achar significativo e que contribuirá para a melhoria do educando, garantindo seu desenvolvimento, bem como, assegurar que sua prática seja coerente com a escola que almejamos, capaz de educar o homem para a vida, sem disputas, competições, mas solidariedade, companheirismo, ajuda mútua. CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscar a melhoria da qualidade da educação pressupõe repensar a prática educativa que passa necessariamente pela postura do professor.No ato de registrar o seu cotidiano, sua prática docente, o educador tem nas mãos um importante instrumento na construção de sua consciência pedagógica e política. Através do registro escrito, guardamos parte de um tempo vivido, ou seja, estamos construindo nossa história pessoal e coletiva (grupo), momentos significativos, os quais contribuirão na formação de cidadãos autônomos e críticos. Baseando-se, nas concepções que norteiam a prática pedagógica, percebemos que as mesmas procuram respeitar o educando em sua individualidade e buscam maneiras diversificadas de ampliar seus conhecimentos, respeitando-os como agentes históricos de transformação.