Reescrita de notícias sobre Política na TV e no Jornal Impresso
Norma Dilma dos Reis Almeida1
1 Fundação Universidade Federal de Rondônia
rainhavha@yahoo.com.br
Resumo: A questão de trabalhar a escrita na sala de aula nos anos iniciais de ensino fundamental é motivo de discussão e muito debate por parte de especialistas e professores desse segmento. Já vai longe o tempo em que se preconizava a cópia e o ditado para que as crianças treinassem a caligrafia e a ortografia. Com o advento dos Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs, muito se estudou sobre gêneros textuais e se pretendeu reformular o currículo escolar no país. Este artigo é um relato de experiência com uma turma de 4º ano de escola pública, utilizando a metodologia de reescrita de notícias de jornais televisivos e jornais impressos. O fato de se utilizar duas mídias, uma, presente no cotidiano dos alunos, a televisão, outra menos presente, o jornal impresso, é uma exigência do trabalho de conclusão do Curso Mídias na Educação, do Ministério da Educação, através do Programa Informática na Escola-PROINFO e da Universidade Federal de Rondônia-UNIR.
1. Considerações iniciais
O primeiro cuidado a ser tomado ao iniciar este relato é o de não levar em consideração os preconceitos e críticas sobre a mídia televisão. Alguns teóricos, no passado, preconizaram o fim do livro, tratando a televisão como uma bruxa malvada que veio para baixar o nível cultural das pessoas, mecanizando as ações de crianças e adolescentes. De acordo com Napolitano
O mais comum, na relação entre TV e escola, tem sido partir do pressuposto de que a TV é manipuladora de consciências e veiculadora de um conteúdo de baixo nível cultural, informativo e estético [...] O problema é que, passando ao largo da complexidade do fenômeno e dos códigos operacionalizados pelo veículo, a escola pouco contribui para tornar sua clientela mais crítica, além de perder a chance de incorporar o material televisual como fonte de conhecimento. (2003, p.15)
Acreditando que a utilização de diferentes linguagens na produção de textos escritos, coesos e coerentes contribui para a compreensão dessas linguagens e das diferenças existentes na sociedade é que optamos pelas mídias televisão e jornal impresso como objeto de trabalho final do Curso Mídias na Educação. A experiência que será relatada refere-se a uma turma de quarto ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual de Ensino Fundamental Paulo Freire, em parceria com a professora regente de sala, Marcela de Oliveira Mara. Os sujeitos da pesquisa são alunos na faixa etária de 9 a 10 anos, com predominância do sexo feminino. De acordo com a ficha de matrícula da escola, são originários de famílias de classe média baixa, residentes em bairros próximos à instituição. A maioria das crianças tem desempenho bom, 10% freguentam o horário destinado ao reforço. Um aluno recebe atendimento individual por ser portador de necessidade especial, é surdo. Tendo em vista o período da propaganda eleitoral, na televisão, nos jornais impressos locais, definiu-se que os alunos observariam os horários da propaganda eleitoral, nas suas residências e fariam leituras de jornais impressos em sala de aula. O uso dessas mídias, nesse período, poderá ser objeto de estudo para futuros projetos da escola. Feitas as considerações, passa-se a descrever os pressupostos teóricos que embasam este trabalho.
Como fenômeno dos tempos atuais, a TV não tem culpa das mazelas que aparecem hoje na cultura escrita no Brasil. Especialistas e estudiosos, menos otimistas, num passado recente, profetizaram o fim dos livros, quando da popularização da TV e recentemente, com o advento dos computadores e internet; com o fim do livro, findaria também a cultura letrada. A profecia não se concretizou como também a TV não acabou com o cinema. Pode-se dizer que num país que não teve, desde os primórdios, uma cultura de leitura e escrita, o que ocorreu foi uma preferência do grande público pela TV, já que não tinha antes a cultura do ler, por razões diversas que não cabe aqui descrever.
Esclarecendo a questão, diz Napolitano
A escola foi hegemônica na formação e transmissão de valores, atitudes e conteúdos de conhecimentos básicos para a socialização das grandes massas urbanas. A dinâmica desse processo vem se transformando para a mídia, sobretudo a TV [...] Neste caso, se a escola não é mais o polo principal de formação e transmissão de valores, hábitos e conhecimento, qual o novo papel que ela deve assumir? Como superar as dificuldades em trabalhar a TV? (2003, p 18 e 19)
Esses questionamentos me preocupam de longa data, como professora e como coordenadora de projetos de telessala. Em vista disso é que me propus participar da formação em Mídias que o Ministério da Educação, através do Programa Informática na Escola-PROINFO, vem discutindo a utilização das mídias na sala de aula, proporcionando formação continuada a professores de todo o país. As contribuições da TV foram reunidas com as da mídia impressa, também objeto de estudo da formação de professores, do programa citado e serão aqui contempladas.
Para definir o desenho de atividades que os alunos realizariam, oriundas desse projeto, optei por definir o gênero textual a ser trabalhado: a notícia jornalística, comumente veiculada em ambas as mídias.
A televisão é um veículo popular, havendo em todas as emissoras abertas que chegam ao município de Vilhena, jornais diários que veiculam notícias locais, nacionais e de todo o mundo. Os alunos do 4° ano da escola pesquisada são telespectadores fiéis de telenovelas e de outros programas de entretenimento. Chamando a atenção deles para os jornais televisivos, constatou-se que esses também faziam parte do cotidiano de seus familiares. Por ser um gênero simples, com características que passaremos a definir é que se optou por notícias. Segundo Lages (2004) a notícia deve obedecer a alguns critérios tais como:
-narrativa em ordem de importância ( pirâmide invertida ) e não por ordem cronológica do acontecimento;
-utilização do lead, primeiro parágrafo da notícia, no qual se responde a seis perguntas básicas: quem, quê, quando, onde, como e por quê;
-quanto à aplicabilidade do lead clássico, o autor sugere dois itens: não começar com verbo e iniciar com a circunstância mais importante, na forma direta, ou seja, pelo sujeito.
Trazendo essas considerações de Lages para a área da educação, passa-se a relatar a forma em que se orientou a classe do quarto ano.
As notícias que recebemos nos lares, todos os dias, possuem características próprias. De acordo com Teberosky
[...] As normas da escrita jornalística dizem respeito tanto ao vocabulário quanto à estrutura das frases: preferência por termos da linguagem cotidiana; no caso de utilização de palavras técnicas, elas deverão ser definidas no contexto do discurso; o significado e a denotação devem ser precisos. Quanto à frase: preferência por frases curtas, não mais de trinta palavras, de estrutura canônica com sujeito-verbo-objeto, frase a ativa, afirmativa. (2003, p 19)
Segundo a autora, essas regras tão explícitas facilitam a imitação do texto, pelo fato da organização ser mais simples que outros gêneros textuais.
Outro fato que nos facilitou optar por esses textos, foi a sua circulação na sociedade atual. É possível acessá-los por fazerem parte do cotidiano dos alunos; sua leitura permite o desenvolvimento também da escrita.
Assim, quando se escolhe uma notícia para a atividade de escrita, sabe-se que se trata de um texto codificado, por uma instituição acessível e compartilhada por muitos membros da escola.
As notícias que os alunos assistiram pelos jornais da TV, para a produção em sala de aula, foram previamente definidas, em escolha dos alunos, na sala de aula e definidos horários em que circulariam. O título, o motivo, entre outros, foram decisivos na escolha de que informações deveriam anotar. Mediante esse protocolo, foram oferecidos instrumentos pertinentes para a produção escrita. Ficou esclarecido que após a produção haveria um momento de revisão. Revisão entendida como um momento de reflexão sobre o escrito, como fazem os jornalistas que submetem seus textos à revisão antes de irem para a edição final.
Já as notícias dos jornais impressos, foram lidas em sala de aula, sob coordenação das professoras, com os sujeitos em duplas.
Foi aberto um pequeno parênteses para explicar que os escritores escrevem com determinadas finalidades: o autor de romances quer envolver seus leitores, o jornalista quer convencer sobre a veracidade que veicula na sua informação, os alunos quando vão expor seus textos no mural da escola têm seus objetivos definidos, quais sejam, serem entendidos pelos demais alunos da escola.
4. A metodologia
De acordo com o projeto descrito, a metodologia que foi utilizada se ateve aos diálogos com alunos, leituras individuais dos alunos e da professora, com uso dos jornais impressos disponíveis nas bancas da cidade. As tecnologias utilizadas foram: TV, jornais, vídeos, que foram suportes para as atividades pedagógicas. Um bilhete foi encaminhado aos pais para conhecimento da atividade a ser feita em casa. Para orientação aos pais, constou no bilhete, a consigna referente à atividade de ver os programas, nos horários especificados, foi descrita, passo a passo. A produção escrita, feita em duplas, obedeceu ao critério do agrupamento produtivo, que é dispor os alunos em duplas, considerando os níveis próximos (FERREIRO, 2001, p.59.), permitindo o diálogo, a troca de informações. Forma-se, assim, um ambiente favorável de mediação e interação que contribuiu para as aprendizagens dos alunos. Ao mesmo tempo, desenvolveram-se atitudes solidárias, respeitando os momentos de cada um, como falar e ouvir o outro, dando estímulo aos escritores e facilitando o trabalho pedagógico no atendimento individual e grupal.
Para orientar a produção das duplas foi elaborado um roteiro que deveria ser seguido ao escreverem seus textos. O instrumento foi elaborado com o objetivo de assegurar a característica do gênero notícia e assim impedir a dispersão. A produção escrita é entendida, nesse momento, como processo de discussão entre os pares e entre professor e alunos.
O fato de estarem em duplas, conversando, trocando ideias, possibilitou um momento de reflexão sobre o que escrever. O resgate do lido e do visto ficou possível graças à ajuda mútua. No momento da escrita, as dúvidas surgiram. Os alunos trocaram ideias e fizeram perguntas à professora que fazia questionamento para a dupla chegar à solução mais adequada.
Algumas questões contempladas: em que dia aconteceu? Qual o horário? Quem participou? O que foi dito? Que mais foi observado?
Além do roteiro para produção dos textos informativos, a intervenção da professora, questionando e buscando reflexão das crianças foi uma forma de oferecer mais informações e segurança aos alunos menos experientes em escrever.
Outro momento aconteceu para uma atividade coletiva de revisão do texto escolhido. As questões foram levantadas pela pesquisadora, buscando eliminar repetições, marcas de oralidade, problemas ortográficos. O enfoque foi feito no sentido de tornar o texto mais bonito e parecido com os textos dos livros que lemos.
A experiência realizada com alunos de quarto ano de escola pública, utilizando duas Mídias de grande veiculação na sociedade para produzir textos informativos, foi uma ação isolada. A escola não dispõe de nenhum projeto que viabilize a utilização das mídias aqui citadas, e nem outras conhecidas. A educação para mídias se inscreve, primeiramente, na necessidade da ação de professores e, mais do que isso, na formação do professor em seu próprio processo de autonomia e autoria.
Em uma sociedade imagética como a nossa, a educação do olhar se faz imprescindível. Um dos lugares privilegiados para a educação do olhar é a escola. A construção de alunos bons leitores de mídia é uma necessidade de nosso tempo - a sociedade da informação em que vivemos exige uma educação cada vez mais pautada em seus instrumentos - os meios de comunicação - para a efetiva construção da cidadania. Do universo de vinte e duas crianças que participaram do projeto, uma revelou que em sua casa não se vê televisão. Quando questionada sobre a razão de não fazê-lo, declarou que nos horários em que as novelas são veiculadas, sua família lê a Bíblia. As demais crianças são telespectadoras cativas de novelas, de programas de entretenimento e jornais televisivos. Uma das alunas afirmou que “poderia escrever muito mais se fosse sobre a novela das oito,” outro pediu que a pesquisadora voltasse à escola para escreverem sobre todas as novelas que a turma assiste diariamente. Mesmo alguns alunos evangélicos afirmaram que vão ao culto e voltam rápido para verem a novela. Não foi observada preferência por canais de TV. Todos os que são sintonizados na cidade foram mencionados pelos sujeitos.
No questionário respondido pelos alunos pesquisados verificou-se a relação de confiança que estes estabelecem com a televisão e os jornais impressos. 89% deles acreditam no que vêem e ouvem. Essa crença é pura; no caso da televisão é enriquecida pelo fato de trabalhar com imagens, com fundos musicais apropriados para cada momento, chamando mais ainda a atenção do telespectador. 90% dos alunos revelaram saber de memória as músicas tocadas na série Malhação, programa vespertino, veiculado em TV aberta. Outro quesito levantado pela pesquisa, foi a questão da credibilidade dos telejornais, 95% responderam ser totalmente verdadeiras, as notícias e reportagens dos canais de TV a que suas famílias assistem. Ignorar essa mídia, “desejar que se desligue o aparelho e se faça uma tarefa escolar em vez de ficar no deleite que a programação oferece, pode ser uma luta em vão” (MARCONDES, 2003).
O fascínio pela TV é descrito por Marcondes Filho “[...] Fascinante é o mundo do lado de lá que ele nos permite ver, o canal que dá passagem a outro lugar, ao mundo, aos sonhos, às nossas fantasias.” (MARCONDES FILHO, 1998). O autor descreve os avanços pelos quais passou a TV brasileira, desde as adaptações das radio novelas aos dias de hoje. Considera que a TV chegou a um índice tão alto de fascínio que a chama de “novo membro da família.” Trabalhar com a TV em sala, de forma que não se perca o seu fascínio é o que busca educadores preocupados com a popularidade desse veículo.
O desafio de incluir atividades que envolvam mídias como a televisão e o jornal impresso no currículo escolar é tarefa complexa que exige estudo e planejamento de ações que exigem observação do professor. Exigem organizar e reorganizar com atividades que levem às discussões, ao entendimento que a aquisição da linguagem, tanto falada como escrita é uma conquista marcante. Portanto trás para a escola o dever de problematizá-las, porque segundo Zanchetta, “há discursos prontos que entram para dentro da escola, mas a escola não tem discurso para dialogar com esses” (ZANCHETTA, 2006). Volta-se à formação dos professores para o discurso midiático.
Acredita-se que a interatividade que vem sendo anunciada por emissoras de televisão traga um novo panorama para o aspecto monológico da televisão. Escrever cartas a programas com altos índices de audiência, seria um aprendizado a ser pensado pela escola. A professora parceira fez um convite levando em conta a atividade que foi desenvolvida sobre a política na televisão e nos jornais impressos, aqui relatada, como foi notada nas respostas dos alunos ao questionário final, notou-se a possibilidade de promover debates orais, produção de textos, revisão de textos, exposição em murais e outras situações de aprendizagem que eventualmente possam surgir. A forma que a programação da televisão é organizada, com vinte e quatro horas no ar, não deixa espaço para interpretar, para fazer perguntas, o que pode ser feito em sala de aula, desde os primeiros anos do ensino fundamental. Ou como sugere Torres “essa atividade pode ser anterior à aquisição da habilidade de escrever”(TORRES, 2010). A autora argentina propõe discussões entre alunos e professores sobre como fica melhor, como poderia dizer, o que falta colocar permitindo uma reflexão sobre a escrita, e uma familiaridade com as características da linguagem escrita. Esse exercício seria de alunos como ditantes de textos escritos. A intervenção e mediação do professor sustentando a produção dos alunos seja ela, oral ou escrita.
Desta forma, a pesquisadora se propôs continuar com a parceria em um projeto maior, sendo a escola Paulo Freire a primeira escola do município a fazer parte do Programa Um Computador para cada Aluno, do Ministério da Educação. A professora regente da sala e parceira no projeto é novata, seu contato é com a rede estadual é novo.
A formação de professores e técnicos em mídias que o Ministério da Educação vem realizando em todo o país terá efeito duradouro se continuar no interior das instituições de ensino, com coordenação dos órgãos competentes. Com formação de grupos de estudo semanal, fazendo a prática ser incorporada ao cotidiano das escolas. Exige educadores atentos ao gosto dos alunos e que considerem a sua importância como ponte entre eles e as mídias, sejam elas a TV, o rádio, o livro ou jornal impresso. Essa ponte é necessária já que os pequenos não podem sozinhos, os maiores precisam de ajuda para estabelecerem críticas e releituras que o professor sabe bem estarem perpassadas de ambigüidades e ideologias. O educador fazendo essa ponte haverá um compartilhar, outro olhar mais experiente.
Se trabalhar com crianças produzindo textos a partir de notícias de telejornal e jornal impresso, procurando que os textos sejam de qualidade, é um desafio, desafio maior é preparar educadores para realizarem essa tarefa. É uma responsabilidade, tanto de órgãos empregadores como das instituições que oferecem cursos de graduação para professores, no ensino superior.
A título de conclusão, estamos a caminho de inserir no currículo escolar, uma prática pedagógica revestida da participação política, da participação coletiva inserida nas próprias mídias.
FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2001. 104 p.
COSTA, J.W. da OLIVEIRA, M. A. M. (orgs.) Novas Linguagens e Novas Tecnologias: educação e sociabilidade. Petrópolis: Vozes, 2004. 152p.
MARCONDES, B. et all. Como usar outras linguagens na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2003. 151 p.
MARCONDES FILHO, C. Televisão a vida pelo vídeo. 15. ed. São Paulo: Moderna, 1998.119 p.
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TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever: perspectivas psicológicas educacionais. Trad. Claudia Schilling. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003. 198 p.
ZANCHETTA, J. Imprensa escrita e telejornal. São Paulo: UNESP, 2004. 136p.